quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008


A tarde

O dia quando amanhece
Convida à disposição
Ao matutino oferece
Ventura e compensação

A tarde chega bem mansinha
Desliza nas sombras presentes
Trazendo outra claridade
Com pouco já se fez ausente

Se chove, molha o asfalto
Fazendo subir o vapor
No ar deixa a umidade
Do clima rouba seu calor

Revela todo o esplendor
Já finda a obrigação
Pra trás deixa o mormaço
Aos pés da escuridão

Presenta à prata lusco-fusco
A noite, que é de calmaria
Consagra toda uma jornada
Com a brisa do fim do dia

Wolney Mororó

Gravatá - Pernambuco - Brasil




Pessoa - Carlos Laerte - junho 1988


O cigarro e a tecla,
lúdicos companheiros na histeria absolutista
dos meus delírios poéticos
tão em mim buscando fuga,
se me agradam tão somente por vaidade,
descrevo o cigarro e apago a tecla.
Pode haver vida textual
se na minha ficção não absorvo poesia?
Irrealidades imagino
mas isso não compõe existência,
ordenando-me em linha reta me fragmento
puro deslize, inútil ensaismo filosófico,
verdadeiro desassossego.
Mas, há outro cigarro e as teclas
uma a uma
transfiguram-se em irriquietos heterônimos
chamando-me abusivamente à vida
pouco a pouco
finjo-me pessoa
me permito amigos estranhos,
ali no mesmo canto, prazerosamente,
ombro a ombro
convivendo em mim quando penso existir.
Marco inutilmente encontros,
colóquios, mesa de bar.
Em conjunto
firmamos projetos
votamos concordatas
porém desculpam-me a todo instante:
a pressa dos dias,
a angustia das noites
sempre há um motivo para as faltas.
Talvéz, se remarcarmos aquele tão desejado encontro,
aquele do bar, lembra?
Não há jeito
o apelo em mim
tão de mim buscando
é só espera.
São demais os intérpretes,
e o tempo se encarrega desencontradamente
dos meus originais,
ora espalhados ombro a ombro entre o cigarro e as teclas;
ora espelhados entre pessoa e pessoa, na metade que busco entender.
Ontem tive uma idéia que o outro não viu nascer.
Apaguei rapidamente o cigarro
ascendí à tecla
e fantasiado
pessoalmente em pessoa
cheguei em mim tão inteiro e absoluto
que da minha aldeia me fiz rei
coroado e aclamado por muitos,
cortejado e possuído por muitas
que pensava não existir.
E foi tão grande a festa
tão profunda a sesta
que ao despertar deste encanto
num conto renascí.
Lá me contaram uma história de um certo rei
despótico de si
abusivamente reinou anos a fio
construindo avenidas
tecendo paralelas
e por coincidência
pura coincidência
não lembro se era noite ou dia
sendo deposto por conta
e em contos
num motim organizado sabe-se lá por quem,
lá pras bandas da transversal do tempo.
Há! O que pode pessoas em motim?