segunda-feira, 27 de julho de 2009

O Laboratório e suas Cobaias




O acidente que vitimou Felipe Massa nos treinos de classificação para o GP da Hungria de Fórmula 1 sábado passado, evidencia a face mais cruel e também a mais obvia do automobilismo: O “esporte” é um grande laboratório onde se experimenta os mais avançados aperfeiçoamentos da indústria automobilística e o preço cobrado de quem se dispõe a ser suas cobaias pode ser alto demais, mesmo considerando o que se paga por tal papel. Isso não é nenhuma novidade mas sempre choca a todos que apreciam esse tipo de competição. A despeito do glamour e do iminente enriquecimento rápido de quem o pratica, o automobilismo de competição oferece riscos que se de um lado estão cada vez mais “controlados”, por outro lado estão e, sempre estarão muito longe de inexistir. A fórmula 1 que assistimos pela TV aos domingos é apenas a ponta de um grande iceberg que envolve inúmeras categorias e competições diversas a cada fim de semana no mundo inteiro. Provavelmente, porém, é na F1 (e em outras categorias de “ponta” como a Indy) que surgem as tecnologias que logo serão incorporadas aos automóveis que conduzimos no dia-a-dia. Desde 1950 quando se realizou o primeiro campeonato mundial da categoria até hoje, inúmeras “inovações” foram criadas para aperfeiçoar a performance dessas maquinas, tanto no que diz respeito ao desempenho quanto no que tange à segurança. Se compararmos os carros que participaram das primeiras competições na década de 50 (os famosos “charutinhos”) que, segundo os próprios pilotos eram verdadeiras “bombas” dirigíveis e praticamente não ofereciam possibilidade de salvação a quem a estivesse pilotando em um acidente mais grave, com os atuais, poderemos verificar a evolução dessas máquinas não só no aspecto físico externo mas principalmente na tecnologia que se desenvolveu, tanto nos seus componentes (motor, suspensão, pneus, aerodinâmica, etc.) quanto nos equipamentos periféricos como ferramentas, pistas, materiais utilizados nos carros e nos equipamento de proteção ao piloto como macacão, luvas e capacete. Os carros da Fórmula 1 “romântica” eram feitos em oficinas de “fundo de quintal” com chapas de aço e rebites, consumiam gasolina de aviação de alta octanagem (extremamente inflamáveis) e seus pilotos contavam com a “proteção” de um capacete (se é que se pode chamar assim) de couro. Hoje a Fórmula 1 usa materiais de altíssima resistência a choques, atritos e fogo como o kevlar e a fibra de carbono, criados inicialmente para utilização em naves espaciais. Os carros e seus componentes são exaustivamente testados em simulações em pistas de testes e túneis de vento a exemplo dos mais modernos aviões de combate e outros veículos de alta performance como os trens-bala. A grande questão, ao meu ver, é que, diferentemente dos laboratórios que desenvolvem tecnologias para aviação, viagens espaciais e equipamento hospitalar, por exemplo, a Fórmula 1 envolve componentes que pode fazer uma grande diferença: a competição sempre presente, a busca constante pelo que se chama de “emoção” e os milhões, muitos e muitos milhões de dólares (e euros) investidos. Tanto que recentemente alguns teams (como a própria Ferrari de Massa) ameaçaram “rachar” a categoria porque a FIA impôs um teto nos gastos das equipes, tentando dessa forma “democratizar” o poder de investimento e, consequentemente, de disputa. A grande pressão dos patrocinadores do “circo” por resultados que evidenciem suas marcas acabam por levar pilotos a pontos cada vez mais extremos de busca por posições, o que aumenta muito o risco de acidentes, a despeito das conquistas tecnológicas que garantem relativa segurança nesses momentos. De tempos em tempos porém, surgem falhas no sofisticado sistema de segurança que envolve a atividade automobilística e, nessas horas a vida de pilotos, mecânicos, fiscais e até espectadores pode ser o preço a ser pago pela inesperada imperfeição. Dois aspectos relativos a segurança me chamaram a atenção nos últimos dias por terem sido causas de gravíssimos acidentes em duas categorias automobilísticas do mais alto nível: O primeiro diz respeito aos pneus dos carros e já fez inúmeras vítimas, muitas delas fatais, tanto entre pilotos, mecânicos e até espectadores. A mais recente delas foi uma jovem promessa do automobilismo, filho do campeão mundial de fórmula 1 John Surtees, Henry Surtees de apenas 18 anos que morreu uma semana antes dos acontecimentos envolvendo Felipe Massa, na Fórmula 2 Inglesa, ao ser atingido na cabeça pelo pneu que se desprendeu do carro de um companheiro que se acidentou à sua frente. O mesmo tipo de acidente já tirou vidas de espectadores na Fórmula Indy, quando um pneu que se soltou de um carro voou tão violentamente que superou o alhambrado indo atingir o público nos Estados Unidos. Por causa de acidentes desse tipo, a Formula Indy criou uma espécie de cabo que segura o pneu (mesmo que ele se desprenda do eixo) evitando que se desprenda totalmente indo atingir terceiros. Nesse sentido, bem que a Fórmula 1 (e outras categorias) poderiam “copiar” a idéia e assim evitarem que vidas se percam futuramente. Na corrida de domingo, por exemplo, o pneu do carro do espanhol Fernando Alonso se soltou depois de um Pit Stop e, o que acabou sendo considerado um acidente “normal” por uma falha da equipe, poderia perfeitamente ter se transformado em uma nova tragédia igual a que vitimou Surtees e os espectadores americanos. Outro aspecto, tão importante quanto o primeiro, além de ter sido causa do acidente de Massa, nos remete a um dos mais tristes domingos dos apreciadores da Fórmula 1: 1º de maio de 1994 quando nós brasileiros (e admiradores do mundo todo) perdemos Ayrton Senna: A proteção da cabeça do piloto. Nos “charutinhos” da Fórmula 1 primitiva, nada absolutamente poderia salvar um piloto que capotasse seu carro. Não havia sequer o que se convencionou chamar de Santo Antônio que é aquela barra em arco acima da cabeça que evita que esta atinja o chão em caso de capotagem e os “capacetes”, como já citei, eram uma peça meramente decorativa. Hoje tanto o cockpit (caixa que envolve e protege o piloto) quanto o capacete, são construídos com materiais de alta resistência e oferecem proteção digamos “suficiente” em vários tipos de choque, fricção, desaceleração, força G (que impulsiona a cabeça para fora das curvas), etc. O que fica demonstrado no acidente de Felipe Massa entretanto ( e aí entra a semelhança com o acidente de Senna) é que, ao contrário das declarações do comentarista da Rede Globo e ex-piloto de Fórmula 1 Luciano Burti que afirmou em um de seus comentários do fim de semana que o capacete resiste até tiro de revólver, a proteção não conseguiu conter uma mola que se soltou do carro de Barrichello e que, pesando 1Kg., atingiu a cabeça de Massa com um impacto de 150Kg., causando a lesão que poderia lhe ter tirado a vida, assim como aconteceu com o pedaço de suspensão que perfurou o capacete e matou Ayrton. Acho que está mais do que na hora de pensarem melhor sobre o assunto e providenciarem uma melhor proteção frontal para a cabeça dos pilotos, assim como o fizeram com a parte do cockpit que protege as pernas após o acidente sofrido por Schumacher no GP da Inglaterra de 1999 e que lhe fraturou esses membros e o tirou de combate naquela temporada. O milionário e glamouroso circo/laboratório da Formula 1 deve essas providências a suas preciosas e caríssimas cobaias e que elas venham antes tarde do que nunca.

Um comentário:

Igor disse...

Painho, Henry Surtees não era piloto da Formula 3 inglesa, mas sim da Formula 2 - Categoria criada pela FIA como alternativa mais barata à já famosa GP2 de Bernie Eclestone.

Quanto aos cabos que seguram os pneus em caso de acidentes, os Formula 1 os possuem. Acho até que foram pioneiros nesse aspecto. Acontece que o cabo fica preso ao eixo da roda, e não a própria roda. Se fosse dessa maneira, impossibilitaria ou retardaria bastante as trocas de pneus. No caso do acontecido com Alonso, não há como prender aquele pneu. A Renault deveria ter pedido para Alonso parar o carro antes do pneu sair, como não o fez, foi penalizada a não participar da prova de Valência, daqui a 3 semanas (sentença essa que a Renault irá recorrer).