quarta-feira, 10 de junho de 2009

E o velho Hércules se renova e resiste!

C-47 ou Douglas DC-3 - o Pioneiro

C-130 Hércules - Ainda Titular

Uma experiência inesquecível


Hércules do 1º Esquadrão do 6º Grupo de Aviação - Recife 1972


Hércules do 1º Esquadrão do 1º Grupo de Transporte - Rio de Janeiro

Acompanhando pela imprensa (principalmente a TV) as operações da Força Aérea Brasileira (em conjunto com a Marinha do Brasil) na busca e resgate do que restou da tragédia do vôo AF447, percebe-se entre os equipamentos um velho senhor cinquentão que tal qual o herói greco-romano que lhe deu a alcunha, parece ter se tornado imortal e cada vez mais forte. Seu nome de batismo é Lockheed C -130 mas é seu apelido que melhor define seu perfil e seu desempenho: Hércules. Tenho com essa aeronave uma história paralela que, acho, merece ser contada. Em primeiro lugar, nascemos quase na mesma época; ele um ano depois de mim. Na minha infância em Coqueiral, nossa casa ficava na linha de pouso da pista 15 da Base aérea (antes utilizada como pista principal dos Guararapes) e eu assistia diariamente a passagem já em altitude de aproximação, de todos os vôos que chagavam a Recife. Uma das minhas diversões preferidas era identificar pelo som dos motores qual avião se aproximava. Chegávamos a apostar. Sempre tive um certo fascínio por aviação e isso certamente foi o principal motivo que me levou a quebrar uma tradição. Sou o quarto dos sete filhos homens da família e o primeiro e único a prestar o serviço militar, não pelo patriotismo (apenas) mas, principalmente, pela admiração que sentia pela arte de voar. Um dos aviões que mais lembro de ter visto passar sobre minha cabeça foi justamente o antecessor do Hércules, o Douglas DC-3 ou -C-47 (na nomeclatura militar), conhecido também por Skytrain (trem do céu). Esse bimotor (a gasolina), assim como seu sucessor, também se configura como uma lenda da aviação mundial. Seu apelido vem de seu interior arredondado (como os vagões de trem antigos) e suas duas fileiras de assentos duplos (passageiros) ou um amplo baú para cargas de múltiplas aplicações. O C-47 tinha uma característica interessante: assim como fazem até hoje as pequenas aeronaves, decolava primeiro a parte traseira pra depois levantar o resto da fuselagem. Foi, depois do Hércules, a aeronave de transporte mais utilizada na aviação mundial e, até hoje, de vez em quando, se vê um deles se exibindo por aí. No Brasil, além de bastante utilizado na aviação civil, prestou relevantes serviços no Correio Aéreo Nacional. E aí vieram os Hércules. Quadrimotores turbo-hélice (propulsão a querosene), preparados para pousos de assalto (pista curta) por isso mesmo com asas acima da fuselagem e com capacidade de carga, velocidade e operacionalidade infinitamente superiores ao velho Skytrain seu antecessor, essas verdadeiras maravilhas da indústria aeronáutica foram (e ainda são) tão revolucionários que resistem "heroicamente" ao tempo (são 55 anos desde o primeiro vôo em 1954) com a saúde de um jovem e certamente ainda não tem sucessor a altura. Antes de me alistar na Força Aérea eu só o conhecia como conhecia os demais aviões: De ver passar. A partir de 1972 quando fui transferido como soldado de 1ª classe, do Parque de Aeronáutica para o 1º Esquadrão do 6º Grupo de Aviação sediado na Base Aérea do Recife, passei a realizar um sonho de infância: Me aproximar e conviver diariamente com essas máquinas fantásticas e suas destemidas e heróicas tripulações. O "Primeiro do sexto", assim chamada internamente a unidade que operava com três aeronaves C-130 Hércules, atuava principalmente em missões de aero-fotogrametria (mapeamento por fotografia aérea sincronizada) e busca e salvamento. Passar a conviver naquele ambiente fazia me sentir como um menino que foge de casa com uma caravana de circo. Realizado e feliz. Dormir num Hangar sobre botes salva-vidas infláveis, para-quedas e kits de sobrevivência, entre outros equipamentos aeronáuticos, era uma experiência tão excitante que compensavam com folga a fadiga da pesada rotina militar de soldado e os entreveros eventuais com superiores hierárquicos. Melhor ainda era estar de serviço quando eles chegavam de uma missão distante, "invadir" a geladeira de bordo pra "capturar" as caixas de lanches não consumidas pela tripulação e depois se "espalhar" na poltrona do comandante e curtir o visual do aeroporto da outra margem da pista, com os potentes binóculos que haviam na cabine. Além disso, vez por outra, éramos convocados a participar de um treinamento de lançamento de fardos (de sobrevivência) sobre alvos dispostos no campo. Aí sim, era demais. Estar a bordo com a rampa traseira do avião aberta e participar diretamente das operações era uma experiência ímpar, uma aventura pra não esqucer jamais e eu certamente nunca esquecí. A sensação era de estar num vagão de trem que voava. Ver do alto de forma panorâmica a cidade, o mar o porto, Olinda, era como um sonho. Ainda durante o serviço militar, acompanhei a chegada na Base dos Hércules do 1º do 1º GT sediados no Rio de Janeiro, que traziam da França desmontados em suas "barrigas" os supersônicos Mirage que equipariam a defesa do Planalto Central, sediados em Anápolis - GO.Dez anos após ter deixado a FAB (1983) ainda tive mais uma experiencia envolvendo esse avião: Em visita à Base e a amigos que lá deixei, tive a oportunidade de me aproximar de quatro Hércules a serviço do governo da Líbia que transportavam armas para a Nicarágua (em guerra civil) que fizeram um pouso forçado (por pane) e ficaram detidos aqui pelo Governo Brasileiro durante dois meses. Como dá pra ver, minha história "cruzou" várias vezes com a história do Hércules. A imponência do Hércules pelo seu tamanho, potência e versatilidade, até hoje me deixa admirado. Por isso, quando o vejo operando em suas missões "do bem" ou ouço o ruido de suas turbinas como um trovejar repentino, sinto saudades do curto tempo em que convivemos e entendo um pouco do que se passa na mente e nos corações daqueles tripulantes em seu interior, principalmente quando cumprem a nobre missão de resgatar às famílias atingidas por tamanho sinistro, o direito digno de sepultar seus mortos e, mais que isso, ajudar a entender os fatos acontecidos, minimizando a possibilidade de voltarem a acontecer. E quando eu falo na versatilidade do Hércules, vale ressaltar que este avião, entre outras coisas, pode ser utilizado em missões tão diversas quanto importantes como se transformar num hospital, lançar de pára-quedas tratores para construção de estrada em localidaes críticas, lançar água potável e alimento a populações isoladas, pousar e decolar em pistas curtíssimas utilizando foguetes acoplados, além de ser a maior aeronave capaz de pousar e decolar no gelo utilizando esquís como trem de aterrisagem. Apesar de também ser uma arma de guerra com um considerável poder de destruição (e isso não se pode esquecer), o C-130 Hércules em suas missões não bélicas pode ser ( e tem sido), um grande e útil instrumento na construção da paz, da solidariedade, da humanidade e da ciência humana. Está para sempre, sem dúvida, inserido entre as mais impressionantes úteis e indispensáveis máquinas inventadas pelo homem.

Nenhum comentário: